Lulu e a Privacidade
Desde que foi lançado, o aplicativo Lulu (usado para dar notas aos homens do círculo de amizades das participantes) tem suscitado controvérsias enormes, não só no campo das discussões sobre gênero como também no campo jurídico, com relação a sua política de privacidade.
Isto porque, apesar de representantes do sexo masculino não solicitarem para participar do aplicativo, seus perfis lá estão. Fica a dúvida: Poderia o Lulu usar as informações dos homens, mesmo que estes não tivessem solicitado participar do aplicativo? Vejamos.
1. Você sabe com o que concorda ao entrar no Facebook?
O Lulu é um aplicativo integrado ao Facebook. Assim, para verificarmos se é legal a política de privacidade do Lulu, devemos verificar com o que nós concordamos ao entrarmos no Facebook e se concedemos permissão para o Facebook compartilhar nossos dados nos termos em que o Lulu faz.
Em “Informações que nós recebemos e como elas são usadas” nos Termos do Facebook, fica claro que nossa rede de amigos é algo que eles consideram público:
No item Learn More logo após a frase especificando que nome, foto de perfil, foto de capa, sexo, rede de amigos, nome de usuário e identificação do usuário são tratadas como “informação que você escolheu tornar pública”, encontramos:
De novo: O Facebook deixa bem claro que a lista é feita de itens que “escolhemos” (ou seja, que o Facebook exige) tornar públicas. Reparem que em “network” o Facebook menciona que caso o usuário esteja desconfortável em tornar a network pública, este pode sempre sair da rede de amigos(!).
Logo abaixo, ainda no mesmo capítulo, o Facebook novamente deixa claro que pode permitir acesso aos dados públicos:
Assim, fica claro que a) “rede de amigos” é uma especificidade do perfil que o Facebook considera pública; b) o Facebook pode dar permissão para que estes dados sejam acessados.
Após concluirmos esta análise, ou seja, após verificado que a rede de amigos faz parte do que o Facebook chama de “perfil público”, é tempo de passar à análise de como o Facebook compartilha os dados com as empresas criadoras dos aplicativos:
Percebam que a todo momento o Facebook afirma com que a lista de amigos É PARTE DO PERFIL PÚBLICO e que o usuário, ao concordar com os termos do Facebook, concorda com o seu compartilhamento. Logo abaixo do trecho já exposto, insiste a rede social:
Assim, sob o ponto de vista estritamente contratual, não houve qualquer infração por parte do Facebook ao compartilhar as informações da rede de amigos das usuárias do Lulu, de uma vez que, em tese, o contrato firmado entre as partes permitia isso.
2. Termos de Uso do Facebook e o Código do Consumidor
Resta outra questão, que talvez devesse ser deixada para outro post : uma vez tendo sido obedecido o contrato vigente entre as partes, este contrato pode ser considerado abusivo à luz do Direito do Consumidor? Em tese sim, de uma vez que o art. 51 do Código do Consumidor afirma :
art. 51: Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[…]
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
[…]
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Sobre cláusula abusiva, Miragem nos diz : “este vínculo lógico entre o abuso do direito e a vulnerabilidade do consumidor no CDC é que resulta o caráter abusivo de determinadas condutas do fornecedor e, da mesma forma, cláusulas abusivas que – observada a desigualdade fática entre os sujeitos contratuais – coloquem o consumidor em situação de desvantagem exagerada em relação ao fornecedor.”
Não irei me alongar aqui, mas grosso modo portanto, poder-se-ia alegar nulidade desta cláusula em razão de sua abusividade.
3. Lulu e a Legislação Brasileira
Mas não basta apenas que o aplicativo obedeça às regras estabelecidas entre as partes; é necessário que este obedeça ao nosso ordenamento jurídico, sob pena de sofrer as sanções competentes. E nesse ponto, o Lulu possui alguns problemas.
Esbarra de plano o aplicativo no art. 5º, IV da Constituição Federal, que veda o anonimato: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Ora, os comentários inseridos no Lulu são anônimos e portanto, não seguem o preceito constitucional ora mencionado.
Além disso, haveria em tese infração ao art. 17 do Código Civil, o qual veda a utilização do nome da pessoa em publicações que a exponham ao desprezo público:
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.
No entanto, cumpre avaliar como nossos Tribunais avaliarão um aplicativo que usa comentários pré-estabelecidos tais como “#usaRider”, “#gostadeAbada”, “#gostaderomerobritto”, “#naovaleumpaonachapa” “#blockhisnumber”; seria a possibilidade de ser atrelado a tais comentários uma forma de desprezo público? Acho um pouco temeroso afirmar isso de forma peremptória, mormente levando-se em consideração o fato de que tal artigo deva ser analisado sob a luz do princípio constitucional da liberdade de expressão. Acho que as situações devem ser analisadas caso a caso.
Por fim, temos a questão penal da difamação, na qual não vou me enfronhar por total incapacidade técnica para discorrer sobre o tema. Há juristas afirmando que ela pode estar presente, outros não. Vale consultar outros textos.
Em suma: a rigor, o Facebook está cumprindo as cláusulas contratuais firmadas com os usuários, embora tais cláusulas possam ser consideradas abusivas à luz do Código do Consumidor. Além disso, a possibilidade de se inserir comentários anônimos afronta a Constituição Federal.
É bom sempre lembrar: nós somos produto para as empresas de redes sociais. Se com o Lulu isso tiver ficado bem claro e as pessoas pararem para pensar no conteúdo que estão colocando à disposição da empresa sem nem pensar, já terá sido excelente.
~00~
P.S. E muito obrigada a todos que participaram da discussão no Facebook, sem a qual este post não seria possível 🙂
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