Facebook, princípio da territorialidade e local da prestação de serviço no meio eletrônico.
Esta semana a Isto É Dinheiro publicou matéria sobre a questão da emissão das notas fiscais pelo Facebook, na qual fui entrevistada sobre o tema. Acredito ser importante detalhar um pouco mais o caso.
Quando falamos de Direito Tributário, um dos princípios que precisamos levar em consideração é o princípio da territorialidade. E o que vem a ser ele? É o princípio segundo o qual a lei tributária somente pode ser aplicável dentro do território da pessoa jurídica de direito público (União, Estados e Municípios) que edita a norma. Assim, lei federal é aplicável dentro do território brasileiro, a lei estadual dentro do Estado onde foi editada a norma e assim por diante. Há exceções ao princípio da territorialidade, e no campo do Direito Tributário estas estão especificadas no art. 102 do Código Tributário Nacional, a seguir transcrito:
A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem ou de que disponham esta ou outras leis de normas gerais expedidas pela União.
Assim, a lei tributária somente poderá ser aplicada fora dos limites do território da pessoa jurídica de direito público competente na hipótese de haver convênios entre as pessoas jurídicas de direito público estabelecendo tal aplicação.
O Código Tributário Nacional também afirma no seu art. 127 que “na falta de eleição, pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário, na forma da legislação aplicável, considera-se como tal o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem à obrigação”.
No Brasil, o imposto devido pela venda de anúncios seria o ISSQN (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza). Segundo a legislação complementar aplicável (legislação que vai orientar as leis municipais, digamos assim), o ISSQN é recolhido no local da prestação do serviço conforme art. 249 da Lei Complementar nº. 116 : “O imposto é devido no local da prestação do serviço”. Na falta do estabelecimento prestador a lei estabelece que seja no local do domicílio do prestador, com exceções previstas.
Tendo dito isso, passemos a analisar a questão do Facebook: este possui escritório estabelecido no Brasil, operando no país legalmente. Somente este fato implica em que os serviços de venda de anúncio são feitos aqui no Brasil? Não necessariamente.
A meu ver, a operação de venda de anúncios deve ter sido realizada aqui no Brasil para que a hipótese de incidência tributária (a possibilidade de cobrança de tributos) seja aplicável ao fato. A questão que se coloca portanto é: onde se realiza a operação de venda de anúncios do Facebook? Em território brasileiro ou fora dele?
Eu diria que a resposta é… depende.
Segundo informações obtidas, o Facebook atende no Brasil somente clientes de grande porte e sequer atenderia telefonemas advindas de cliente de menor porte, aos quais restaria a opção de compra eletrônica de anúncios, feita de forma automatizada, através do próprio sítio do Facebook, com pagamento através de cartão de crédito.
Tal operação automatizada, estaria fora da alçada do Município de São Paulo para efetuar quaisquer cobranças, posto que efetuada fora do país – não é o escritório brasileiro o responsável por receber aquele pedido automatizado e processá-lo, tampouco é o escritório brasileiro que recebe o pagamento.
Quanto às operações efetuadas através do escritório nacional (voltado, até onde se sabe, para clientes de grande porte), estas sim estariam obrigadas ao pagamento do tributo competente (ISSQN) e portanto, à emissão de Nota Fiscal.
O STJ, a respeito do domícilio do contribuinte já decidiu, em Recurso Especial de relatoria do Ministro Asfor Rocha, que é o local da prestação EFETIVA dos serviços o da ocorrência do fato gerador (ou seja, é o local da efetiva prestação de serviço que determinará qual imposto incidirá sobre esta):
RECURSO ESPECIAL Nº 1.327.993 – PE (2012/0058164-3)
RELATOR : MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA
RECORRENTE : ARCONSULT CONSULTORIA E ASSESSORIA TÉCNICA LTDA
ADVOGADO : RICARDO J L PRAGANA FILHO E OUTRO(S)
RECORRIDO : MUNICÍPIO DE RECIFE
PROCURADOR : HUMBERTO CABRAL VIEIRA DE MELO E OUTRO(S)
EMENTA
TRIBUTÁRIO. ISS. LOCAL DA PRESTAÇÃO EFETIVA DOS SERVIÇOS COMO O DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR.
ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADO. DL N. 406/1968 E LC N. 116/2003. CDA QUE NÃO CONTÉM TODOS OS ELEMENTOS DA OBRIGAÇÃO. EMPRESA QUE ATUA EM MAIS DE UM MUNICÍPIO.
EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. RECURSO PROVIDO.
– A Certidão de Dívida Ativa (CDA) é o título executivo dos créditos da Fazenda Pública, constituído pela própria Administração, mediante atividade administrativa plenamente vinculada, abrangendo o lançamento, a inscrição e a extração da dita Certidão, que instrumenta ou aparelha a execução fiscal; a CDA deve indispensavelmente trazer no seu próprio contexto todos os elementos da obrigação, entre os quais o seu legítimo credor ou ente tributante.
– No ISS, tributo municipal, o fato gerador ocorre no local da prestação do serviço, salvo se o prestador, não mantendo unidade de produção nesse local, realizar a prestação a partir da sua matriz, sediada em Município diverso, hipótese em que será a Municipalidade onde se acha instalada a sua direção-geral a competente para a exigência desse imposto.
– O contribuinte executado pode, em procedimento de exceção, obter a declaração de inexigibilidade de obrigação tributária, se a CDA que a instrumenta não revela a presença de todos os elementos desse dever jurídico, nos casos em que essa constatação é manifesta e reconhecida sem necessidade de instrução dilargada.
Recurso a que se dá provimento.
E no corpo do mesmo Acórdão, o Ministro Asfor Rocha destaca outros julgados, os quais determinam inclusive que a regra do local da ocorrência do fato gerador é aplicável mesmo quando haja um escritório com atividade meio em outra localidade que pretende cobrar o tributo:
[…]” (AgRg no AREsp 101.835/GO, Ministro Herman Benjamin, DJe de 24.4.2012).
“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISS. COMPETÊNCIA. MUNICÍPIO LOCAL DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE FIM.
1. Cinge-se a controvérsia em saber qual Município é titular do crédito de ISSQN: o Município de Cariacica, onde é prestado o serviço desenvolvido pelo contribuinte (lavanderia); ou o Município de Vitória, local da filial administrativa da empresa (captação de clientela, entrega da mercadoria e pagamento).
2. Considera-se como local do estabelecimento prestador a localidade em que há uma unidade econômica ou profissional, isto é, onde a atividade é desenvolvida, independentemente de ser formalmente considerada como sede ou filial da pessoa jurídica.
3. No presente caso, o Município de Vitória (recorrente) não é o local da prestação de serviços, mas sim onde se executam as atividades de captação da clientela (atividade meio). Portanto, não pode o recorrente ser o beneficiário do tributo.
4. A jurisprudência do STJ afirma que, ‘envolvendo a atividade, bens e serviços, a realidade econômica que interessa ao Direito Tributário impõe aferir o desígnio final pretendido pelo sujeito passivo tributário, distinguindo-se a atividade meio, da atividade fim, esta última substrato da hipótese de incidência.‘ (REsp. 805.317, Rel. p/acórdão Min. Luiz Fux, DJ 17.8.2006).
5. Agravo regimental improvido” (AgRg no Resp. 1.251.753/ES, Ministro Humberto Martins, DJe de 27.9.2011). – g.n.
De acordo com a decisão acima, poder-se-ia mesmo admitir que a intermediação das vendas efetuadas pelo escritório brasileiro não estaria sob a hipótese de incidência paulistana do ISSQN.
É importante ressaltar que o assunto é novo e as controvérsias surgem justamente em razão de a internet ter por vezes fulminado o conceito de territorialidade, principalmente para fins de fiscalização.
Nas palavras de Anna Amelia Menna Barreto:
“Em se tratando de bens adquiridos e entregues através do instrumento tecnológico (softwares e utilidades digitais), a situação não encontra qualquer consenso, notadamente pela impossibilidade de se proceder a fiscalização.
O comércio internacional sempre manteve exclusiva relação nas fronteiras físicas e necessita ser repensado sob novo prisma da realidade digital, pois a distância que separa os usuários da Internet, desaparece a um clique do mouse.
Porém, deve-se registrar que a ausência de legislação especifica poderá conceder margem à incidência de bi-tributação, cobrança indevida de impostos, diante da incerteza da titularidade da competência tributária para a taxação da atividade. (in Tributação do Comércio Eletrônico. Visão Internacional)
Dirão alguns que as decisões aqui apresentadas não sobre direito eletrônico ou digital; no entanto, a regra e os princípios aplicáveis são os mesmos – e não há sequer necessidade de se alterar isso. Afinal, como já disse o Ministro Sepúlveda Pertence “A invenção da pólvora não tornou necessário alterar a lei que define o homicídio para prever o uso de arma de fogo”. 🙂
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NOTA: A Rachel Lima, tributarista, conversou comigo depois de ler o post e levantou a questão de, em razão da repercussão econômica do fato se dar no Brasil, poder haver cobrança do tributo. A Lei Complementar 116/03 realmente afirma no §único do artigo 2º que “Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior”. No entanto, entendo que nos casos de cliente de pequeno porte, onde a venda de anúncios é automatizada, não há serviço sendo desenvolvido no Brasil. Esta segunda hipótese se enquadra, no entanto, no caso do atendimento de clientes de grande porte. Há também a cobrança da COFINS, que não deve ser desprezada, incidente sobre serviços executados no exterior, cujo resultado se verifique no País (Lei 10.865/2004). E com efeito, nesse caso da COFINS, mesmo as vendas automatizadas estariam abarcadas pela incidência do imposto. Resta saber como se operaria tal fiscalização.